Educação e sustentabilidade
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Educação e sustentabilidade: uma abordagem integrativa e ecológica - Parte 1
Estudantes quando estimulados e sentindo confiança em quem os convida, embarcam com facilidade em atividades vivenciais desafiadoras, expressando curiosidade, engajamento e alegria.
Por Marli Santos*
Relato aqui uma experiência como facilitadora de uma oficina de educação
ambiental para estudantes de um curso técnico de gestão ambiental em escola pública de Campinas
(SP), cuja faixa de idade variava de 15 a 17 anos.
Era uma tarde quente e ensolarada do outono de 2012. O céu límpido, com
um azul-anil de tirar o fôlego, refletia a beleza dos diferentes tons de verde
da exuberante e cuidada vegetação que circundava as instalações da escola. Para
mim, isso soava como um convite irresistível da natureza à realização de vivências
educacionais fora da sala de aula (outdoor education).
O prédio da escola tinha um desenho arquitetônico similar ao de inúmeras
escolas públicas – modular, tipo blocos de construção (building blocks), com
salas retangulares, repletas de cadeiras enfileiradas e na maioria das vezes carentes
de luz e ventilação natural.
Ao entrar na sala me dei conta de que não havia espaço livre – era um
mar de cadeiras, todas muito próximas umas das outras. Os estudantes, que
cursavam os 2º e 3º anos do curso, ainda não haviam entrado na sala.
Respirei fundo e perguntei ao coordenador do curso se poderíamos reorganizar a
sala para abrir espaço na frente e podermos nos movimentar mais livremente
durante as atividades.
Os estudantes começavam a entrar na sala quando estávamos reorganizando
o espaço. Isso causou um rebuliço danado, gerando insegurança por parte de
alguns estudantes que pareciam descontentes com a cena. Eu estava lá, suando,
tentando descobrir como poderia acalmar as faces aflitas e ao mesmo tempo terminar
rapidamente o trabalho de preparação da sala, que a essa altura havia se tornado
um verdadeiro caos, com cadeiras amontoadas no fundão e outras tantas sendo
arrastadas de várias direções. O ruído intenso na sala se contrapunha ao
silêncio do lado de fora.
Em geral, eu prefiro facilitar oficinas de educação ambiental alternando
atividades ao ar livre e em salas que tenham a possibilidade de espaços abertos
para movimentação dos participantes. Isso permite uma maior interação,
facilitando a desconstrução das barreiras comumente existentes em ambientes de
aprendizagem, não apenas entre estudantes, mas também entre educadores e
estudantes, bem como entre esses últimos e o meio natural. Nessa abordagem
pedagógica os conteúdos são mais facilmente incorporados quando facilitados
através de atividades vivenciais centradas no estudante. Além do fato de que a
ambiência (contexto) pode exercer influência significativa no processo de
aprendizagem.
Éramos 45 pessoas dentro dessa sala retangular, onde trabalhamos
intensamente durante quatro horas sem tempo para olhar a paisagem verde do lado
de fora. Comecei a oficina com todos os estudantes de pé em círculo,
perguntando se eles estavam respirando. Em uníssono riram, talvez achando a
pergunta um tanto esquisita. Alguns responderam: “Claro que respiramos!” Eu
perguntei então: “Como exatamente? Vocês poderiam me dizer?” A partir daí,
começamos a estabelecer uma ponte entre nós, abrindo espaço para a primeira
atividade de aquecimento que focava em prestar atenção na respiração. E assim,
respiramos e nos movimentamos vigorosamente durante essa primeira atividade de acolhimento,
autoconhecimento e aquecimento, baseada em uma técnica de respiração do yoga
chamada Respiração da Alegria (Breath of Joy). Aos poucos
podia-se notar mudanças nas expressões faciais desses jovens ao mesmo tempo em
que os batimentos cardíacos se aceleravam com os movimentos vigorosos.
Juntos gritamos, gargalhamos e aos poucos nos aquietamos na Postura
da Montanha. Ali, parados – pés fincados no chão, olhos fechados e
mãos posicionadas no centro do coração, a sala ficou repentinamente em
silêncio, facilitando a escuta da nossa respiração e a sensação de calma
tomando conta dos nossos corações e mentes. A desconfiança inicial dos
estudantes logo se dissipou e algumas faces ligeiramente enrubescidas davam
sinais de vitalidade e curiosidade. Pareciam prontos para embarcar naquela
jornada um tanto “amalucada”!
Dentre as vivências que praticamos, me chamou bastante atenção o
comportamento dos estudantes durante uma atividade chamada Going Dotty -
que também pode significar metaforicamente “amalucando”. Os alunos foram
convidados a fechar os olhos; um ponto colorido autoadesivo foi então colado
pelo facilitador na testa de cada participante, sem que ele soubesse a cor. A
missão de cada um era formar grupos com aqueles que tivessem a mesma cor dos
adesivos, sem, contudo, saberem qual era a sua própria cor. Essa busca deveria
ser feita de forma silenciosa, sem qualquer comunicação verbal, mas era
permitido manter os olhos abertos.
Tão logo os grupos foram formados, iniciamos o processo conhecido como
devolutiva, no qual os estudantes são convidados a refletir sobre a maneira e
estratégias adotadas para a resolução do desafio proposto. Nessa fase de
reflexões, os participantes são estimulados e encorajados a falar sobre seus
sentimentos durante todo o processo de resolução do problema. Muitos demonstraram
com clareza e assertividade o descontentamento quando um colega foi deixado
propositalmente sozinho, cuja cor do adesivo era única, o que dificultava a formação
de um grupo. Foi fascinante ouvir os posicionamentos de alguns estudantes,
questionando por que eu havia deixado um estudante sozinho. Havia nitidamente
uma preocupação genuína com o outro.
Por meio dessa atividade simples, divertida, mas estimulante, os alunos
puderam refletir sobre a sensação de ficar para trás e a necessidade de
cooperação para a resolução do problema. Além disso, o princípio ecológico da
interdependência, que é importante para sustentar a vida em nosso planeta, e as
noções de empatia e compaixão foram debatidas e reconhecidas como valores
fundamentais. Os estudantes conseguiram “conectar os nós”, estabelecendo
relações entre os conceitos e a atividade, o que demonstrou uma abertura para
essa forma interativa de aprendizagem. Fiquei profundamente sensibilizada pelo
rápido engajamento desses jovens e pelo espírito de cooperação entre eles.
A natureza humana é compassiva, somos ensinados, mas geralmente essa
qualidade interior não é nutrida adequadamente e acabamos nos esquecendo da sua
importância como um valor fundamental para a nossa caminhada no planeta.
Essa experiência me fez refletir sobre o que poderia ocorrer se a escola
se abrisse para um estilo mais interativo de ensino e aprendizagem. E se os estudantes
tivessem mais espaço para aprender através de vivências? O que aconteceria se
eles tivessem atividades integradas ao curriculum que cultivassem sua ecologia
interior? E se eles tivessem mais oportunidades para desenvolver atividades que
promovessem a atenção consciente, por meio de práticas contemplativas
como a meditação e o yoga?
Eu me pergunto se essas práticas tivessem sido incorporadas naquela
época, aqueles jovens estariam hoje mais felizes e centrados? Pesquisas científicas
realizadas nessa última década demostram que essa abordagem integrativa pode
ajudar a nos tornar seres humanos mais compassivos, gentis e autoconscientes,
com maior capacidade de concentração, autorregulação e melhor performance
acadêmica. Isso sem contar os ganhos com o desenvolvimento de maior autoestima.
Essas são algumas das habilidades necessárias para uma vida mais equilibrada
socialmente e emocionalmente.
A abordagem das questões ambientais e a resolução dos seus múltiplos e
complexos desafios requer uma visão global, devendo para isso considerar os
estudantes na sua inteireza, levando em conta as dimensões físicas, emocionais,
mentais e espirituais. Portanto, uma aprendizagem de qualidade requer uma
ambiência acolhedora, democrática, participativa, capaz de cultivar gentilezas
e afetos.
Enquanto escrevo esse relato, fico imaginando que muitos estudantes já
devem estar atuando no mercado de trabalho. Quem sabe, alguns tenham optado
pela área da educação, seja ela formal ou não. Quem sabe, alguns deles tenham
se tornado professores nesta escola ou em outro lugar. Quem sabe, alguns
estejam empenhados em sustentar a vida no nosso planeta, exercendo a compaixão,
a empatia e a solidariedade com olhares curiosos e mentalidade aberta. Quem
sabe, estejam praticando pegadas leves sobre a Terra, percebendo a finitude dos
recursos da natureza. Quem sabe nos encontremos um dia para respirarmos juntos
e gritar o “HA” da alegria e da reverência à mãe Terra! Oxalá isso aconteça! (Continua)
No capítulo seguinte desta série, contaremos
mais histórias interessantes sobre a importância da abordagem integrativa e
ecológica nos processos de ensino-aprendizagem.
* Educadora, ambientalista, autora e co-fundadora em 1993 da ONG Núcleo Internacional de Educação e Gestão Ambiental (www.niega.org.br)
Passei por experiência profunda com Marli Santos num programa em prol da implantação da sustentabilidade de um município no interior de SP, utilizando a metodologia da Educação Global, foi uma das experiências mais importantes da minha vida. Um ponto onde partes fragmentadas se juntaram, se integraram, como se um lindo quadro se formasse, e tudo fez sentido a partir do que juntos num grupo experienciamos.
ResponderExcluirA semeadura foi muito bem feita, com certeza os frutos foram os melhores. A metodologia de Educação Global proporciona uma visão diferenciada de mundo e do cuidado que se deve ter com o planeta.
ResponderExcluirBastante interessante esse trabalho da Marli. Essa abordagem serviria também para o problema da inclusão social nas escola e mesmo na comunidade. Gostei muito da aplicação da Yoga no trabalho.
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